Esse texto poderia ser a parte 4 dos pleonasmos, na
sequência dos anteriores, porém, há uma diferença na proposta de discutir
política e pornografia.
Não preciso me aprofundar muito ao esclarecer que, para a
maioria das pessoas, política é sinônimo de corrupção, picaretagem, populismo
etc, enquanto vai além do que muitos podem imagina, pois está presente a todo
momento em nossas vidas, enquanto comemos (há quem não tenha o que comer),
quando viajamos (os lugares por que passamos, qual meio de transporte
utilizamos...), como dormimos (há quem não tenha onde dormir adequadamente), e
até no sexo. Já a pornografia, é unânime o seu significado relacionado ao sexo
explícito, ao que é tido como atentado ao pudor, contrário à moral e aos bons
costumes. Mas, pergunto: o que é mais imoral que a fome, a ganância, a
violência, a exploração? É neste sentido que pretendo aqui falar um pouco a
respeito da arte erótica e seu papel político.
Equivocadamente as pessoas entendem que a literatura erótica
tem como função primordial excitar o leitor. Esse pode ser um elemento presente
em uma obra, mas não obrigatório. Parece estranho, mas já é uma verdade ao
entendermos que o que é excitante para uns pode não ser para outros.
Imaginemos, por exemplo, os tradicionais filmes pornôs. Nele há uma explícita
imagética do desejo masculino, onde o feminino é mero objeto e não tem voz, não
é capaz de exprimir seus anseios e ver saciado o seu prazer. Há um machismo
presente na maioria dos filmes pornográficos, e aqui creio caber muito bem o
nome 'pornográfico". Mas voltando a questão da excitação como sendo ou não
sendo o objeto principal da literatura erótica, avalio algumas obras que
tiveram como foco assuntos políticos. Cito, primeiramente, "As Mamas de
Tirésia" e "As Façanhas de um Jovem Don Juan", de Apollinaire.
Mais evidente ainda na segunda obra, o autor expõe sua preocupação
nacionalista, em uma época de guerras, em que muitos homens eram mortos, a
necessidade do incentivo do pais na geração de filhos, pois um país mergulhado
no terror da guerra, com mulheres sem maridos e uma crescente redução da
população masculina, precisava ter uma política em que houvesse um
descontrole de natalidade. Contudo, uma leitura superficial, classificaria as
obras como textos eróticos com a finalidade da excitação. Pietro Arentino, um
clássico da literatura erótica, teve como objetivo principal em seu trabalho, a
crítica política e social da sociedade de sua época. Marques de Sade, que teve
o termo sadismo originado do seu nome, porém uma origem errônea, por falta de
entendimento de sua obra, pois, como alguns críticos afirmam, o trabalho de
Sade foi mais filosófico do que literário, trazendo um crítica moral aos
hábitos luxuriosos da nobreza e do clero. E como não citar as mulheres atuando
em um papel principal, não como personagem de histórias, mas como autoras de
obras que incentivaram as mulheres ao seu papel ativo na sociedade. Uma mulher
que escrevia simplesmente não era lida. Usavam então pseudônimos masculinos
(até há pouco tempo mesmo homens tinham de usar pseudônimos para publicar obras
eróticas). John Stuart Mill, escritor e filósofo liberal, escreveu o livro
"A Sujeição das Mulheres", em que atacou o pensamento machista que
afirmava que as mulheres eram naturalmente incapazes de realizar certas
atividades. Mas, é na obra de uma mulher que o movimento feminista vai se
inspirar: "O Segundo Sexo", de Simone de Beauvoir. Na literatura, uma
das mais famosas escritoras que espalhou ao mundo másculo e bélico a
sexualidade feminina foi Anais Nin, deixando claro que mulher também queria
fuder. Alguns aspectos são muito importantes em sua obra: tanto a linguagem
utilizada, muitas vezes considerada de baixo calão pelos moralistas, como suas
histórias que ainda hoje fazem as pessoas ficarem boquiabertas.
No cinema, considero Tinto Brass o melhor cineasta na
temática erótica. Foi capaz de fazer filmes com cenas de sexo absurdamente
explícitas, às vezes mais fortes que em muitos filmes pornôs, mas deixando por
trás de toda essa orgia o questionamento político. Mas a ignorância e
hipocrisia da nossa sociedade ainda coloca a mulher como um objeto, ainda
rejeita a sua sexualidade. Numa sociedade, como a brasileira, onde juízes,
senadores, deputados, desembargadores etc., fazem suas orgias (sexuais e
corruptas) dentro dos órgãos públicos, mulheres, como a advogada
Denise Rocha (exonerada do seu cargo de assessora do senador Ciro Nogueira, que
a demitiu após surgir na internet um vídeo em que ela fazia sexo) , são
chamadas de putas.
Abaixo, reescrevo uma parte da entrevista de Erika Lust para
a Revista Marie Claire, cientista social e produtora de filme pornô cujo
público alvo é a mulher, questionando a tradição de filmes produzidos para os
homens:
Marie Claire – Você estudou ciência política
na Universidade de Lund. Existe alguma relação entre o que você aprendeu na
academia e seu trabalho atual?
Erika
Lust - Total! É triste dizer, mas o sexo ainda é um
assunto muito político: tanto quando falamos sobre as leis que regulam a
produção e o consumo de pornografia, quanto na negociação dos assuntos públicos
com a vida privada. Às vezes me sinto como um político quando eu estou
representando uma pornografia alternativa, e espalhar uma mensagem feminina
positiva da sexualidade, só porque eu estou mantendo uma imagem pública e
tomando parte em um discurso social. Meu curso certamente me ensinou muito
sobre a negociação, o pensamento crítico, e a relação entre governo e
sociedade. Mas foi meu foco especial em feminismo que influenciou minha visão
de mundo e, mais tarde, a direção que o meu cinema tomaria.
MC – E quanto às mulheres que gostam de sexo
anal?
EL - Eu
tenho evitado usar cenas de sexo anal, não só pelo fato de que mulheres não
gostam (até porque, certamente, existem mulheres que apreciam) mas por ser algo
obrigatório na indústria pornográfica convencional. Ao apelar para um público
que quer algo diferente do que havia em pornografia até então, eu tento criar
novas cenas e diferentes formas de sexualidade.
Link da entrevista: http://colunas.revistamarieclaire.globo.com/mulheresdomundo/2012/05/16/540/
: postagem recuperada do antigo blog obscenatorio.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário